sábado, 10 de setembro de 2011

O barril e a esmola

Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos - uma das características da estatuária grega. (...)

Perguntaram a Diógenes por que pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios. Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.


É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.

A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das calçadas.

Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios.
(...)

Carlos Heitor Cony. Folha de S. Paulo.

*Cinismo designa a corrente dos filósofos que se propuseram a viver sem qualquer propriedade ou conforto da qual Diógenes foi destaque.

Fundamentos da Filosofia

Sócrates

Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei.

Descartes

O que sou eu? Uma substância que pensa.
O que é uma substância que pensa?
É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer; que não quer; que imagina e que sente.

sábado, 3 de setembro de 2011

Janilto Andrade - Mensagem de Natal

Li esse texto num simulado, é, eu sei, num simulado!
O texto é grandinho, mas vale à pena!


Papai Noel é, na banda ocidental deste resto de mundo que nos resta, o velhinho mais poderoso de que se tem notícia. Um deus. Um deus de poder aterrador.


Eta! Papai Noel chegou! Aí, tudo se agita, tudo efervesce, tudo se transforma. Arrasador, o velhinho! Com a sua vinda, aumenta a produção; aquecem as vendas; aumenta, portanto, a poluição atmosférica, aumenta o buraco na camada de ozônio, aumenta o aquecimento da Terra, aumenta a destruição da Terra. E aumenta a destruição entre os homens, porque o poder do velhinho convence todos da necessidade de comprar... Quem pode, pode... Quem não pode... Atendendo ao apelo de Papai Noel, e para comprar roupa nova, o marginal conclui que tem direito de 13º. Aí, rouba. Se necessário,mata.


Eta velhinho poderoso! Pois é! Ele faz acreditar nas mais deslavadas mentiras! O lojista anuncia a promoção: de R$ 80,00 por apenas R$ 60,00! Só que o preço da mercadoria, antes da chegada do velhinho (mentiroso!), era R$ 40,00! Papai Noel faz promoção até em casa de parafusos: a felicidade está bem perto de você! Um quilo de parafusos de todas as medidas por apenas R$ 20,00! Um "grande Papai Noel"" está na frente de uma funerária, prometendo felicidade na compra de um ataúde de R$ 800,00 por R$ 600,00! E os ministros de Papai Noel fazem acreditar em canções sem-vergonha... "Como é que Papai Noel não se esquece de ninguém / seja rico seja pobre, o velhinho sempre bem". Quanto cinismo!


Perde-se, em definitivo, o senso do ridículo: pinheiro é que é nossa árvore, não são mais cajueiros, mangueiras, jambeiros, nossas ricas frutas sazonais deste período! Mais: por aqui, numa temperatura média de 30ºC, neva e anda-se de trenó! Ainda: nossos empregados usam gorros cônicos (nas cores da coca-cola, perdão nas cores das vestes de Papai Noel, vermelho e branco) e - pasmem! - alguns com pisca-pisca na parte frontal! Em terraços, em parapeitos de edifícios, penduram-se bonecos, ridículos e mal confeccionados bonecos-papais-Noel-dançarinos-desengonçados...!


Papai Noel tudo pode! Já está, até, em Bagdá, no Iraque! Lá nas terras do Profeta! Pois é! Inaugurado um shopping naquela capital, a paz americana ali se instalará! E onde há shopping, lá está Papai Noel. Os americanos estão conseguindo empurrar Papai Noel na goela dos iraquianos. Não quiseram engolir Papai Noel por bem, isto é, com coca-cola, então tiveram que engolir, por mal, com bombas, atiradas com alta precisão. Povos com dignidade histórica e cultural não gostam de bombas, nem do sabor de coca, menos ainda de Papai Noel. Esses povos..., ora! não têm bom gosto. Bom gosto, sim, temos nós, brasileiros, que chegamos a fazer fila para pôr nossos filhos no colo do velho poderoso! Só vendo a felicidade de Papai Noel...!

Sim, mas onde está um menino cujo Natal se comemorava por estes tempos, menino que, segundo dizem, teria nascido para ensinar aos homens a crença do homem no outro homem, crença cuja denominação mais apropriada é amor, e não mercado?! Lamentável... no lugar de quem - homem, lenda, mito ou Deus- ensinou a mais humana das lições: (com)viver, foi entronizado um ventríloquo do capitalismo, apenas sabe, mecanicamente, repetir, à exaustão, as palavras: comprar e vender.